Fisioterapia nas alterações físico-funcionais no portador de Miastenia Gravis



Miastenia Gravis (MG) é uma doença auto-imune, crônica, associada com anticorpos contra receptores de acetilcolina (Ach), que modifica a sinapse e destrói a membrana neuromuscular. Na junção neuromuscular normal, a Ach é liberada na sinapse, difundida à membrana causando um potencial excitatório pós-sináptico. Se o limiar de despolarização é alcançado, um potencial de ação espalha ao longo da membrana da fibra muscular, causando a contração muscular. O fracasso de transmissão em muitas junções neuromusculares diminui o potencial de ação sendo estes insuficientes em várias fibras musculares, resultando em fraqueza de músculos estriados – fadiga – que é a base para o diagnóstico clínico da doença(4,6,7).

Foi postulado a destruição de receptores pré-sinápticos, porém a liberação de Ach chega a ser até três vezes maior nesses pacientes do que nos pacientes normais. Em geral, associa-se a alterações no timo, sendo que a hiperplasia tímica ocorre em até 65% sendo mais comum em jovens e o timoma em 10%, principalmente em idosos. Alguns fatores são considerados como desencadeadores dos surtos e devem ser evitados, como calor extremo, estresse e a cirurgia(9). Apresenta episódios de remissão e exacerbação que envolve vários grupos musculares, como músculos do pescoço e da face, que causa perda de expressão facial, dificuldades de fala, problemas de mastigação e deglutição. A fraqueza muscular aumenta durante os exercícios(5).

A classificação clínica de Osserman divide os pacientes de acordo com o grupo muscular acometido e com a intensidade desse acometimento em: Tipo I: para pacientes em Miastenia ocular, com ptose palpebral e diplopia; Tipo IIA: para Miastenia generalizada com evolução leve e sem crises respiratórias; Tipo IIB: para Miastenia generalizada com envolvimento muscular e bulbar mais intenso, porém sem crise respiratória; Tipo III: em pacientes com Miastenia fulminante, de evolução rápida, com crise respiratória e péssima resposta a  terapia farmacológica; Tipo IV: representando a forma grave resultante do Tipo I e II com má resposta à terapêutica farmacológica(2,8).

Quando os músculos respiratórios são afetados, o paciente pode entrar em crise, condição que requer cuidado intensivo e até mesmo ventilação mecânica. Morte devido ao fracasso respiratório ou complicações cardiopulmonares poderia ser o resultado do fim da crise, mas é muito raro atualmente(5). No começo do século 19, a mortalidade da doença era quase 100%; porém houve uma diminuição durante as décadas seguintes. Muito desta melhora expressiva pode ser atribuída à efetividade de medidas gerais, como avanços em cuidados respiratórios e a descoberta de antibióticos(6) .

Miastenia Gravis tem uma prevalência de 85-125 por milhões, e uma incidência anual de 2-4 por milhões. Ela tem dois cumes: um entre 20 e 40 anos de idade com predomínio entre mulheres; e outro entre 60 e 80 anos igualmente compartilhado por homens e mulheres. Há uma predisposição genética para MG, embora não é só herdado maternalmente, 30% de pacientes com MG têm um parente materno com MG ou outra desordem auto-imune, além de ocorrência de outras doenças auto-imunes de forma elevada(5).

Clínicos devem estar alertas aos sinais e sintomas de MG, uma vez que é uma doença tratável com início precoce. Em condição contrária estão em risco de crise, uma vez que a fraqueza muscular torna-se severa o bastante para requerer ventilação mecânica e a fraqueza muscular generalizada deixa seqüelas. Um diagnóstico incorreto de MG poderá expor os pacientes a tratamentos desnecessários(6).

O diagnóstico pode ser confirmado por meio de exames, tais como a eletroneuromiografia, o teste com anticolinesterásico e a pesquisa de anticorpos(9). Os seguintes critérios podem ser utilizados: fraqueza muscular adquirida, incluindo os providos pelos nervos cranianos; flutuação de fatigabilidade muscular; e uma concentração de anti-soro de AchR maior que 1nmol/l ou um decréscimo na resposta eletroneuromiográfica, além de uma resposta positiva  para uma droga de acetilcolinesterase(10). O receptor de acetilcolina (AchR) é o objetivo principal da resposta auto-imune em MG, característica da fisiopatologia(5).

O tratamento é realizado com anticolinesterásicos, imunossupressores, plasmaférese e cirurgia. A piridostigmina é o anticolinesterásico mais utilizado e está indicada como tratamento clínico inicial. A dose diária pode ou não ser reduzida após a timectomia. A ação principal dessa droga consiste em inibir reversivelmente a ação enzimática degradativa da acetilcolinesterase e aumentar a quantidade de Ach na junção neuromuscular. A dose deve ser individualizada uma vez que grande quantidade de Ach na fenda sináptica pode causar diminuição da força muscular(9).

Imunoterapia está indicada quando o paciente não responde a piridostigmina. As principais drogas utilizadas são a azatioprina, a ciclosporina, a ciclofosfamida e os corticóides. Os corticoesteróides são os mais comumente usados com boa efetividade(9). A azatioprina tem menos efeitos colaterais do que os corticoesteróides. Dentro das primeiras semanas do tratamento, aproximadamente 10% dos pacientes mostrará uma febre consistindo de uma reação idiossincrática, anorexia, vômito, náusea e dor abdominal. O inconveniente principal do tratamento da azatioprina é a demorada resposta, variando de 3 a 12 meses(3).

Plasmaférese é um tratamento temporário e que deve ser feito para pacientes graves que irão se submeter à anestesia geral(9). O tratamento cirúrgico consiste em timectomia. Hoje é realizado nos pacientes com ou sem timoma. Até 20% dos pacientes têm remissão completa e 40% melhoram acentuadamente com diminuição da dose de anticolinesterásicos(9). Existem controvérsias quanto à indicação da timectomia ou do tratamento clínico exclusivo. Muitos autores acreditam que ela pode ser indicada quando houver falha no tratamento medicamentoso, enquanto que outros indicam a timectomia precoce como terapêutica primária para a MG(2).

Neste contexto, busca-se relatar o caso de uma portadora de Miastenia Gravis com o objetivo de identificar os benefícios da fisioterapia nos surtos e a melhora na qualidade de vida.

RELATO DO CASO

Mulher, 20 anos de idade, parda, com diagnóstico de Miastenia Gravis e timectomia há três anos, com história de ptose palpebral, queda de mandíbula, disfagia e disfasia. Seus surtos eram periódicos com acometimento principal da musculatura respiratória e fraqueza muscular generalizada. Após a cirurgia, os surtos continuaram, sendo internada por várias vezes com complicações respiratórias como atelectasias, pneumonias e bronquiectasias. Utilizou-se do aparelho CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) e posteriormente do aparelho BIPAP (Bilevel Positive Pressure Airway), que foi usado por um ano e há dois anos, não registra mais surtos.

Utilizou-se uma ficha de avaliação de fisioterapia, contendo dados pessoais, queixa principal, sinais vitais, testes físicos de sensibilidade, de equilíbrio, de coordenação motora e reflexos. Realizou-se a cirtometria e as provas de função muscular. Os testes físicos mostraram padrões de normalidade com relação à sensibilidade, equilíbrio, coordenação motora e reflexos. Detectou-se padrão respiratório apical e força muscular generalizada grau 3, apresentando fadiga e leve dispnéia. Utilizou-se também o Questionário de Qualidade de Vida Short Form 36 (QQV-SF36), sendo este realizado antes e depois do período em que foram realizados os exercícios.

Os dados cruzados da anamnese e exame físico foram analisados e adotados os procedimentos de exercícios de expansão pulmonar: exercícios respiratórios em dois tempos associado à movimentação ativa de MMSS; propriocepção diafragmática, em que o paciente coloca sua mão sobre a região do diafragma e associado a isso, realiza inspirações normais ao mesmo tempo que contrai a musculatura do períneo; exercícios metabólicos: abertura e fechamento das mãos, dorsiflexão e flexão plantar dos pés;  exercícios isométricos para fortalecimento muscular: contração isométrica da musculatura da coxa, da musculatura do glúteo, em que é pedido para o paciente "apertar" os glúteos; da musculatura adutora de MMII, sendo que o paciente coloca uma bola entre os joelhos, aperta-os e mantém por 6 segundos e depois relaxa; da musculatura abdutora utilizando uma toalha que envolve os joelhos fechados; da musculatura de flexores de dedos de MMSS  e de antebraço e, por fim, contração isométrica de adutores, abdutores e extensores de MMSS. Serão realizados três vezes por semana em casa com assistência fisioterapêutica uma vez por semana.

DISCUSSÃO

Miastenia Gravis é uma doença crônica que afeta a musculatura esquelética através de um ataque auto-imune mediado por anticorpos que diminuem a ação dos receptores de Ach  na junção neuromuscular(3). Cerca de 70% a 90% dos pacientes miastênicos têm anticorpos anti-receptor de acetilcolina. Os anticorpos danificam a membrana pós-sináptica, resultando no aumento da degradação e diminuição da formação de receptores de acetilcolina(11).

A característica clínica é a fraqueza de musculatura esquelética, flutuante e que se exacerba durante o dia pelo uso repetitivo da musculatura. Ocorrem períodos alternados de exacerbação com períodos de remissão. Qualquer músculo esquelético pode ser afetado, embora haja preferência por músculos inervados por nervos cranianos, levando aos sintomas iniciais que são diplopia, disartria, regurgitação, fraqueza das musculaturas esquelética e respiratória. A crise miastênica ocorre em 15% a 20% dos pacientes durante o curso da doença e é definida como exacerbação dos sintomas envolvendo os músculos respiratórios, em geral, precipitadas por infecção nas vias aéreas superiores e pneumonia, levando à falência respiratória e à necessidade de suporte ventilatório(11).

O tratamento da doença é realizado através de terapia farmacológica, plasmaférese e cirurgia. Na terapia farmacológica, são utilizados os inibidores de acetilcolinesterase, que são a primeira escolha no tratamento de Miastenia Gravis. Quando tratamento farmacológico adicional é necessário, drogas imunossupressivas são a segunda escolha. A plasmaférese remove os anticorpos circulantes, proporcionando uma melhoria da severidade da Miastenia Gravis(5).

Evidenciou-se no presente relato que, conforme a literatura a fraqueza muscular aumenta com os exercícios e diminui com o repouso. Porém, esse tratamento foi interrompido uma vez que a paciente apresentou traqueobronquite, foi internada por dois dias na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas, apresentando-se dispnéica e febril. Por conduta médica, teve que suspender os exercícios de fortalecimento muscular por duas semanas, permanecendo apenas com exercícios respiratórios em dois tempos associado à movimentação ativa de membros superiores e propriocepção diafragmática. Desta forma, não foi possível avaliar a eficácia da fisioterapia tardia nas alterações físico-funcionais assim como a melhora em sua qualidade de vida.

Após pesquisa na literatura identificou-se que não há nenhum trabalho nacional sobre fortalecimento muscular de membros superiores e inferiores. Por outro lado na literatura internacional foram encontrados poucos trabalhos, sendo estes pouco abrangentes com relação à cinesioterapia, exercícios metabólicos, proprioceptivos e respiratórios.

Em conclusão, não houve melhora significativa quanto a sua força muscular de membros superiores e inferiores e, quanto à qualidade de vida, segundo o Questionário de Qualidade de Vida Short Form 36 (QQV-SF 36)(1) , devido ao surto ocorrido e ao curto período em que foram realizados os exercícios. Entretanto, os exercícios respiratórios proporcionaram benefícios na reabilitação após internação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ware Jr JE, Sherbourne CD – The MOS 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36). Medical Care, 1992;30(6):473-83.

Ruiz Jr RL, Reibscheid SM, Cataneo AJM, Rezende LAL – Resultado de Timectomia ampliada no tratamento de pacientes com Miastenia Gravis. J Bras Pneumol 2004;30(2):115-20.

Sieb JP – Myasthenia gravis: emerging new therapy options. Curr Opin Pharmacol 2005;5(3):303-7.

Murthy JM, Meena AK, Chowdary GV, Naryanan JT – Myasthenic crisis: clinical features, complications and mortality. Neurol India 2005;53(1):37-40.

Romi F, Gilhus NE, Aarli JA – Myasthenia gravis: clinical, immunological, and therapeutic advances. Acta Neurol Scand 2005;111(2):134-41.

Scherer K, Bedlack RS, Simel DL – Does this patient have myasthenia gravis? JAMA 2005;293(15):1906-14.

Shahrizaila N, Pacheco AO, Vidal DG, Miyares FR, Wills AJ – Thymectomy in myasthenia gravis: comparison of outcome in Santiago, Cuba and Nottingham, UK. J Neurol 2005;252(10):1262-6.

Kondo K, Monden Y – Myasthenia gravis appearing after thymectomy for thymoma. Eur J Cardiothorac Surg2005;28(1):22-5.

Barbosa FT, Correia MCB, Cunha RM, Cavalcanti IL – Anestesia peridural torácica para cirurgia plástica de mama em paciente portadora de Miastenia Gravis. Relato de Caso. Rev Bras Anestesiol 2005;55(3):354-60.

Gajdos P, Tranchant C, Clair B, Bolgert F, Eymard B, Stojkovic T, Attarian S, Chevret S – Treatment of myasthenia gravis exacerbation with intravenous immunoglobulin: a randomized double-blind clinical trial. Arch Neurol 2005;62(11):1689-93.

Bussolotti RM, Boscariol MJ, Giroud EHJ – Anestesia Ambulatorial para Radioterapia em Paciente Portador de Miastenia Gravis. Relato de Caso. Rev. Bras. Anestesiol 2006;56(4):419-425.

Tecnologia do Blogger.