Banalização da Cirurgia Plástica




É muito comum encontrarmos anúncios e até profissionais médicos que tentam tornar um ato cirúrgico, principalmente os de finalidade estética, em algo banal. Uma cirurgia seja ela qual for é sempre algo complexo, pois exige que certas regras sejam seguidas. Estas regras são definidas pela Técnica Operatória que é uma das bases da cirurgia. Quando a Técnica Operatória não é seguida, significa que o procedimento pode ter sido, de alguma maneira comprometido. Por exemplo, se os cuidados de assepsia não forem seguidos pode-se causar no paciente a ocorrência de infecção, além de outros problemas.

De modo geral não há cirurgia simples. O que há são procedimentos mais ou menos complexos do ponto de vista técnico, mas mesmo uma cirurgia de pequeno porte não é simples, pois para que esta seja realizada com segurança para o paciente é preciso que o procedimento seja feito obedecendo rigorosamente a Técnica Operatória.

Como sempre faço com meus pacientes, quando me questionam se a cirurgia é simples, pergunto: Atravessar a rua é simples? Se pensarmos bem antes de responder esta questão veremos que atravessar a rua, algo que fazemos milhares de vezes na nossa vida e que nos parece ser algo muito fácil, muito simples, na verdade não é algo tão simples. Pela nossa prática diária, por ser algo corriqueiro, atravessamos dezenas de ruas em uma única tarde e não nos damos conta da complexidade que este ato possui. Sabemos também que existem riscos ao atravessar uma rua, pois no nosso inconsciente sabemos que podemos sofrer um grave acidente se não prestarmos a devida atenção e ter o devido cuidado ao fazê-lo.

Assim também ocorre nas cirurgias. Pode até parecer que o procedimento seja algo simples, mas como dito, mesmo que seja um procedimento pequeno devemos sempre tomar cuidado para que as normas básicas da Técnica Operatória não sejam quebradas, e se isto ocorrer, conseqüências graves, como complicações as vezes impossíveis de serem tratadas e até mesmo a morte, podem acontecer.


Vejamos:

Uma regra da Técnica Operatória que muitos insistem em quebrar é a de realizar um procedimento cirúrgico em um ambiente adequado. Cirurgia tem que ser realizada em um ambiente cirúrgico. Cirurgia deve ser feita em uma sala de cirurgia. Uma sala de consultas não é local para realização de procedimentos cirúrgicos. O consultório não pode ser utilizado para realização de cirurgia, pois é um ambiente que não possui características adequadas para este fim, não atende a normas técnicas e de segurança que uma sala de

irurgia deve ter.

Alem da Técnica Operatória a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária define através de normas o que é um ambiente adequado para a realização de cirurgia. Qualquer situação que fuja a estas normas além de colocar em risco a integridade do paciente, corresponde a infração e é passível de punição por ação da ANVISA.

O ato cirúrgico é uma agressão ao organismo. Esta agressão é algo controlado, mas sempre está presente. A isto chamamos de Trauma Cirúrgico. O resultado desta agressão é uma reação do nosso organismo onde uma série de mecanismos biológicos são ativados com a finalidade de promover o reparo aos danos causados pela cirurgia. A cicatrização é um destes processos que dependente da resposta inflamatória é ativada no momento da cirurgia e se prolonga por aproximadamente 24 meses. Isto significa que a cicatrização de uma cirurgia começa no dia da cirurgia e somente estará completa no final do segundo ano após sua realização. Durante os primeiros quinze dias o processo cicatricial e inflamatório é muito intenso, mas a cicatriz resultante não suporta tensão. Se tracionada, a cicatriz pode romper, abrindo a área como no local da incisão, ou deformar-se resultando em alargamento da cicatriz da pele, movimentação de implantes (como o implante de silicone – prótese de silicone) que podem causar a perda do resultado ou mesmo seqüelas anestéticas.

A cicatriz torna-se resistente a tração somente no final do sexto mês após a cirurgia e se o paciente realizar esforços físicos durante este período, dependendo da sua intensidade, pode resultar em sua deformidade ou migração dos implantes.

Por isso evitar esforços físicos durante os primeiros seis meses de pós-operatório é muito importante para o resultado final da cirurgia. Para cirurgias das mamas é importante que a paciente evite dirigir por pelo menos três meses depois do procedimento.

Isto é um fato intrínseco a cicatrização e não está sob o comando de ninguém. Não há como interferir sobre estes processos e eles estão sob o controle do organismo do paciente e não sob o domínio ou vontade do cirurgião. Também não há “esta” ou “aquela” técnica que modifique este fato.

Apesar disto é muito comum vermos quem diga que com apenas alguns dias de pós-operatório ou que com o uso “da técnica X” tudo volta ao normal imediatamente e que o paciente já pode fazer de tudo com um tempo mínimo de repouso, retomando as suas atividades normais de antes do procedimento cirúrgico. Há ainda uma situação mais grave onde alguns profissionais prometem resultados imediatos com um mínimo ou sem nenhum período de repouso.

Esta situação é algo muito perigoso, pois se os cuidados de repouso, se os esforços físicos não forem evitados, podemos ter uma perda total do resultado final da cirurgia, ou o aparecimento de seqüelas, muitas vezes de tratamento difícil.

O que ocorre é que na grande maioria das vezes uma pessoa não quer passar por um período de recuperação tão longo, deseja que isto seja “algo mais simples” e que o resultado final seja imediato. É difícil mostrar a um paciente que este processo é lento e que independe da vontade do cirurgião e do próprio paciente, mas sim do seu organismo, gerando uma perda do interesse do paciente pela realização de uma cirurgia.

Muitos profissionais sabendo disto se deixam levar e acabam por tentar minimizar este fato prometendo ao paciente uma recuperação milagrosamente rápida sem que seja necessária nenhuma abstinência dos esforços físicos, o que muitas vezes pode acarretar problemas ao próprio paciente.

Soma-se ao descrito outros fatores e ocorrências e o resultado final é uma verdadeira banalização da Cirurgia Plástica e principalmente dos procedimentos de cirurgia estética.

A Lipoaspiração é na minha opinião a cirurgia que é mais banalizada hoje em dia. Haja vista o número infinito de nomes que são dados ao procedimento. Minilipo, Hidrolipo, Lipoaspiração com Microcânulas, TDGL, HLPA, e outros que na verdade possuem apenas um cunho apelativo e especulativo, pois o procedimento de Lipoaspiração é único e suas variações muitas vezes não representam nenhum benefício ao paciente e são meramente apelos comerciais.

Quando ouço o termo Lipoaspiração com Microcânulas fico absolutamente indignado. No desenvolvimento da técnica de Lipoaspiração inicialmente foram utilizadas cânulas de grosso calibre, com seis a dez milímetros de espessura. Com o passar dos anos e aprimoramento da técnica observou-se que cânulas mais finas, com um lúmen de três a quatro milímetros produziam um resultado final com melhor qualidade, pois diminuíam a presença de irregularidades na área submetida ao procedimento. Hoje a grande maioria dos cirurgiões plásticos utiliza cânulas com três a quatro milímetros, sendo raros os casos onde se utilizam cânulas com mais de quatro milímetros.

O termo Micro refere-se a algo que possui um tamanho que não pode ser visualizado a olho nu sendo necessário utilizar um microscópio para que este seja visualizado. Assim pergunto, como pode uma cânula microscópica ser utilizada para remover a gordura de uma pessoa? A gordura é uma substância muito densa e com o uso de cânulas de três milímetros há certa dificuldade em fazer a sua retirada. Fico imaginando como seria fazer isto com uma microcânula. Talvez seja algo parecido com querer molhar o jardim usando um fio de cabelo.

Cirurgia é algo sério e não pode ser banalizada, seja ela qual for. Lembre-se de que quando ocorre isto geralmente é o próprio paciente que sofre as conseqüências. É preciso estar bem informado e saber que não há forma milagrosa para se obter uma melhoria estética e muito menos como burlar a natureza do corpo humano modificando o seu funcionamento, ou desejando que isto ocorra, de acordo com a nossa vontade. Mas, principalmente é preciso que aqueles que prometem algo que não pode ser obtido, aqueles que querem burlar o que é preconizado pela Técnica Operatória, ou se valem de nomes e denominações especulativas para um determinado procedimento cirúrgico com a finalidade meramente de marketing comercial sejam evitados, pois, pode ser que este profissional, mesmo sendo munido de habilitação para exercício da profissão médica, possa estar interessado apenas em benefícios próprios deixando de lado os cuidados, o zelo e a segurança que todo paciente merece e deve ter.

Dr. Iversen Ferrante Boscoli
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