Tratamento Conservador das Lesões do LCA
1-Introdução:
A literatura relata que a incidência de lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) relacionada a prática esportiva é 0,30/1000 habitantes; em jogadores de futebol americano 42/1000 por ano e em esquiadores 1,2/1000 por ano (1). Em um estudo prospectivo sobre lesão do LCA, Daniel e col (2) concluíram após 12 anos que 62% deles evoluíram bem sem tratamento cirúrgico, o que demonstra a importância do conhecimento de métodos conservadores no tratamento dessas lesões.
O ligamento cruzado anterior é o restritor passivo primário da translação anterior da tíbia sobre o fêmur. Butler e col (3) em 1980 demonstrou que 85% desta restrição é dada pelo LCA.
Além da restrição passiva primaria dada pelo LCA, o joelho através de seus múltiplos mecano-receptores ,possui também uma restrição dinâmica a esta anteriorização , que é dada reflexamente pela co-contraçao dos ísquio-tibiais e gastrocnêmios, tendendo a posteriorizar a tíbia, quando o mesmo é submetido a grande stress.Tal co-contraçao ajudaria a proteger o joelho de "falseios" lesivos a ele (4).
Lesão do LCA leva a uma alteração da artrocinemática da articulação tíbio-femural, permitindo o aparecimento de episódios de sub-luxaçao desta articulação, o qual se manifesta clinicamente pelos "falseios" do joelho. Episódios repetidos de falseio levarão a um afrouxamento dos restritores secundários, lesões meniscais e condrais, terminando com a degeneração precoce da articulação. A meta do tratamento conservador das lesões do LCA é ampliar a capacidade estabilizadora dinâmica do joelho, evitando estes episódios freqüentes de falseios e conseqüentemente sua degeneração precoce.
Devido a variações individuais é impossível desenvolver um protocolo padrão de tratamento conservador para as lesões de LCA. A proposta deste artigo de revisão é sugerir uma linha de conduta cientificamente orientada na prevenção de "falseios" no joelho do paciente com deficiência de LCA.
2-Perfil do paciente ideal para o tratamento conservador
Durante muito tempo a idade do paciente foi tida como o fator determinante para a escolha do tipo de tratamento das lesões de LCA. Estimava-se como 40 anos o limite para o tratamento cirúrgico, e a partir daí o mesmo deveria ser tratado conservadoramente. .Atualmente considera-se como fatores importantes o nível atlético do paciente, suas exigências físicas profissionais e sua expectativa quanto a esse nível e exigências ,pois existem jovens com baixa demanda física esportiva e profissional ,e pacientes na terceira idade com demandas altíssimas , que tem perfis diferentes e merecem condutas diferentes frente a uma lesão do LCA
O tratamento conservador deve ser considerado para aqueles que apresentem lesão isolada do LCA total ou parcial de bainha fechada e que se proponham a modificar suas atividades esportivas passando a evitar esportes que facilitem o surgimento de dor , edema e falseios, sendo que tratar conservadoramente não implica em abandonar o paciente a própria sorte , mas sim envolvê-lo em atividades que incluam exercícios orientados , treinamento funcional e reeducação esportiva.
3-Lesão Parcial do Ligamento Cruzado Anterior
O ligamento cruzado anterior pode ser lesado em toda sua circunferência ou em apenas uma certa percentagem da mesma.As lesões parciais são freqüentes e levam a uma incapacidade temporária, podendo ser estáveis e não se romperem na sua evolução.
Noyes e col (5) , estudaram artroscopicamente lesões parciais em 32 pacientes e verificaram que 12 deles (38%) progrediram para uma lesão total, com sinais positivos de instabilidade anterior do joelho. A extensão da área lesada no LCA condiciona o joelho a três situações distintas : 1- Lesão de ¼ da sua circunferência freqüentemente evolui com estabilidade do joelho. 2- Lesão de 50 % da circunferência evolui com instabilidade na metade dos casos. 3- Lesão de ¾ da circunferência geralmente evolui com 86% de instabilidade (6). Um aumento da translação anterior da tíbia e a ocorrência de falseios frequentes também contribuem para esta evolução danosa .
Segundo H. Dejour atenção especial deve ser dada ao que ele chamou de Lachmann "bastardo",que seria aquela situação de ruptura total do LCA onde o coto remanescente se adere ao LCP levando a uma confusão diagnostica com lesão parcial.
O diagnóstico da lesão parcial é de difícil avaliação ao exame clínico e radiológico, pois não existe até o momento um método que possa quantificar esta percentagem de lesão. Somente no momento de uma artroscopia é que o cirurgião tem uma boa noção do grau de lesão, podendo então avaliar a funcionabilidade do ligamento restante como estabilizador articular. Segundo Abdalla (7), que divide as lesões parciais em bainha aberta ou fechada, quando as mesmas são abertas, com lesão da sinovial adjacente evoluem mais freqüentemente para uma instabilidade franca do joelho, e quando de bainha fechada tem um melhor prognóstico,podendo ser tratadas conservadoramente (Fig.1-2 ).
Figura 1 Figura 2
4- Método de Tratamento Conservador das Lesões do LCA:
Dividimos o tratamento conservador das lesões de LCA em duas fases distintas:
3-a - Tratamento na Fase Aguda
3-b - Tratamento na Fase Crônica
Fase Aguda: O tratamento nesta fase inicia-se logo após o trauma e visa principalmente diminuir dor e inflamação, restaurar amplitude de movimentos e restabelecer o controle muscular e proteção contra novas agressões. Tais objetivos podem ser alcançados adotando-se o método "PRICE sugerido por Camanho e col (8) :
1-Uso de compressão e gelo associados ou não a analgésicos e\ou AINH (Anti Inflamatórios não Hormonais)
2-Exercícios de flexo-extensão assistidos e alongamentos visando aumentar o ADM (Arco de Movimento). Atenção deve ser dada na demora para se atingir este objetivo, especialmente extensão, pois isso pode significar outras lesões associadas, (lesão meniscal), o que modificaria temporariamente a conduta (Fig 3-4).
Figura 3 Figura 4
3- Uso de muletas para descarga parcial do peso, até que se restabeleça completamente a ADM e cesse o processo inflamatório.
Fase Crônica: Esta etapa do tratamento inicia-se logo depois de atingidas as metas anteriores (3 semanas), e tem por base 4 parâmetros :
a- Trabalho muscular
b-Treino de propriocepção
c- Orteses
d- Reeducação esportiva
Trabalho Muscular:
O inicio de um trabalho muscular mais intenso após a fase aguda, visa aumentar a resistência e força dos grupos musculares que cruzam o joelho.Ênfase maior deve ser dada àqueles que posteriorizam a tíbia (isquiotibiais e gastroc), devendo-se transformar o joelho lesado em um "isquiotibial dominante" (9).
Exercícios de cadeia aberta e fechada são excelentes para aumentar a resistência e força dos músculos trabalhados, lembrando sempre que aqueles de cadeia aberta devem ser usados com muito critério pois podem ser lesivos a articulação femoropatelar e que os de cadeia fechada não provocam a anteriorização da tíbia ,sendo por isso os mais indicados . (Figs 5-7)
Fig 5 Fig 6 Fig 7
Treino de Propriocepçao:
Definimos a propriocepção como a capacidade inconsciente de sentir o movimento e posição de uma articulação no espaço.No joelho ela é mediada por mecano-receptores situados nas suas principais estruturas como LCA, LCP, ligamentos colaterais, cápsula articular, tendão patelar ,meniscos etc. No paciente com lesão de LCA ao qual se institui um tratamento conservador , deve-se "treinar" o mesmo a usar os mecanoreceptores íntegros, principalmente os capsulares que seriam aqueles, segundo Solomonov (4,10) , os responsáveis pela co-contraçao dos isquiotibiais e gastrocnêmicos levando a uma proteção do joelho contra os ¨falseios¨.
A propriocepção é inicialmente trabalhada de uma maneira consciente por meio de exercícios de equilíbrio, postura do joelho no espaço, tempo correto de atuação dos m. flexores etc (Figs. 8-10).A repetição exaustiva deste treinamento consciente fará com que o mesmo se torne automático, e inconsciente preparando o paciente a usar seus m. flexores antes de chocar o pé contra qualquer obstáculo, mesmo o solo.Varias técnicas existem para se treinar a propriocepção do joelho e em media se necessita de quatro a seis semanas de trabalho para um bom resultado final.
Figura 8 Figura 9 Figura 10
Órteses :
O uso de "órteses" protetoras pode ser útil na volta do paciente ao esporte Teoricamente tais órteses bloqueiam a anteriorização da tíbia apenas quando são submetidas a pequenos esforços e não o fazem quando submetidas a esforços funcionais ou acima deles (11). A possível ação da órtese seria aumentar e melhorar a propriocepção do joelho através da estimulação de mecanoreceptores cutâneos, situados nas suas áreas de apoio (10). Os pacientes em sua maioria, relatam melhora funcional com o uso das órteses , que consciente ou inconscientemente aumentam a atenção do paciente para com seu joelho, diminuindo assim as oportunidades de novos falseios.
Reeducação Esportiva :
É sabido que todas as atividades esportivas que envolvem saltos, giros, mudanças bruscas de direção e velocidade levam grande stress ao joelho com deficiência de LCA, proporcionando com isso chances de aparecimento dos falseios de repetição.A mudança de hábitos esportivos competitivos ou não , é talvez o fator mais importante no bom resultado do tratamento conservador da lesão de LCA.Deve-se estimular a pratica de atividades esportivas de baixo risco para o joelho como natação, ciclismo, jogging, ou mesmo de médio risco não competitivo como tênis, esqui aquático, etc.
A pratica rotineira e segura destas modalidades não agressivas ao joelho, associada a uma atividade diária e profissional sem grande demanda da articulação, levará certamente a manutenção das condições musculares e proprioceptivas ideais adquiridas com o tratamento conservador.
5-Conclusão:
Pacientes capazes de mudar seus hábitos esportivos, que não desempenham atividades profissionais de risco para o joelho ou aqueles que não apresentam episódios de dor, edema e falseios nas atividades de vida diária, são candidatos ao método apresentado, reforçando o conceito que existe um lugar para o tratamento conservador das lesões do LCA .
Bibliografia
1. The ACL Deficient Knee – American Academy of Orthopaedic Knee Surgeons Monograph Series. Editor Edward M. Wojtys, 1994
2. Daniel DM, Stone ML, Dobson BE, Fithian DC, Rossman DJ, Caufman KR: Fate of the ACL injured pacient. A prospective outcome study. Am J Sports Med 1994; 22:632-44
3. Butler DL, Noyes FR, Grood ES: Ligamentous restraints to anterior–posterior drawer in the human knee. A biomechanical study. J Bone and Joint Surgery 1980; 62 A:259-270
4. Solomonov M, Baratta R, Zhou BH, et al: The synergistic action of the anterior cruciate ligament and thigh muscles in maintaining joint stability. Am J Sports Med 1987; 15:207-213
5. Noyes FR, Mooar LA, Moormand CT, McGinnniss. Partial tears of the anterior cruciate ligament. J Bone Joint Surg 1989; 71B:825-833
6. Fruensgaard S, Johannesen HV. Incomplete ruptures of the ACL. J Bone Joint Surg 1989; 71B: 526-530
7. Abdalla RJ: Lesão Parcial do Ligamento Cruzado Anterior (Dissertação de Mestrado). São Paulo – Escola Paulista de Medicina, 1994
8. Hernandez AJ, Vieira EA: O Joelho Agudo – Função dos ligamentos na estabilização do joelho. In: Camanho GL, editor. Patologia do Joelho: Savier; 1996. p.1-34
9. Palmitier RA, An KN,Scott SG : Kinematis chain exercices in knee reabilitaion .Sports Med 1991; 11:402-413
10. Solomonov M, Baratta R, D'Ambrosia R: The role of the hamstrings in the rehabilitation of the anterior cruciate ligament deficient knee in athletes. Sports Med 1989; 7:42-48
11. Colville MR, Lee CL, Ciullo JV: The Lenoxx hill brace. An evaluation of effectiveness in treating knee instability. Am J Sports Med 1986; 4:257-261
Autores:
José Francisco Nunes
José Olavo Moretzsohn de Castro
Adriano Marchetto
Paulo Paes Pereira