Voltando a viver
A reabilitação neurológica tem como objetivo tratar ou minimizar as disfunções em pessoas que sofreram acidentes traumáticos ou doenças que afetam o sistema nervoso central e periférico, entre elas, derrame ou acidente vascular (AVC), doença de Parkinson, esclerose múltipla, polineuropatias, lesões medulares, labirintites e outros. "A prática, conhecida por fisioterapia neuro-funcional, ajuda a manter a função motora, melhorando as habilidades cognitivas e de percepção sensorial do paciente em tratamento", comenta a fisioterapeuta Suely Sonoda Akamine, formada pela USP, com experiência clínica e aperfeiçoamento na área de neurologia.
A especialista lembra que este tipo de fisioterapia ajuda na retomada dos pacientes aos hábitos comuns do dia-a-dia, como se vestir, caminhar ou se alimentar sem auxílio. "Também orienta os cuidadores e familiares sobre os movimentos que estimulam e otimizam sua qualidade de vida e bem-estar", ressalta a fisioterapeuta. Conforme Suely Akamine, muitos pacientes com problemas neurológicos ainda são atendidos com técnicas da cinesioterapia clássica, ou seja, com exercícios tradicionais da ortopedia, com uso de aparelhos fisioterapêuticos, da mesma forma que os pacientes ortopédicos, sem direcionamento de tratamento. "Apesar dos distúrbios neurológicos, a escolha apropriada de recursos cinesioterapêuticos (exercícios) e, principalmente, o momento oportuno para sua realização, contribuirá diretamente para o sucesso e prognóstico do tratamento", avalia.
Reaprendizado motor
A maioria das doenças neurológicas causa distúrbios temporários ou permanentes ao paciente, prejudicando suas atividades diárias e tornando-o, muitas vezes, dependente parcial ou total de outras pessoas. Certamente, esse quadro traz um grande impacto nos campos econômico, social, físico e emocional, porque essas limitações acabam por excluí-lo do meio social e produtivo. "Por isso, a abordagem da fisioterapia precoce, com apoio de uma equipe multidisciplinar, da qual fazem parte médicos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, profissionais de enfermagem, entre outros, é fundamental para a reabilitação e reintegração desses pacientes na sociedade", destaca a fisioterapeuta.
Também é importante a reorganização física deste paciente. O reaprendizado motor (plasticidade neural) geralmente é conseguido por meio de exercícios repetitivos que vão se somando em complexidade, para sua recuperação. Tudo isso requer muita disciplina, auto-organização e perseverança para alcançar o melhor resultado possível, respeitando os limites da doença.
De acordo com Suely Akamine, existem algumas técnicas específicas, de alguns pesquisadores, como Bobath, Kabat e Knott, com embasamento neurofisiológico, que são seguidas na sua clínica como diretrizes de tratamento. "Na maioria dos casos, obtivemos uma resposta satisfatória e até surpreendente na recuperação dos pacientes", acrescenta o fisioterapeuta Alexander Vistuba. Apesar de fazer uma seleção de técnicas específicas de diversos métodos de tratamento para aplicação em cada caso, os fisioterapeutas ressaltam que a criatividade e a experiência do profissional são cruciais nesse processo. "Esses pacientes freqüentam a clínica duas ou três vezes por semana, durante meses ou anos. Não podemos deixá-los cair na rotina e desmotivação", admite o especialista.
Casos de pacientes neurológicos reabilitados com a Fisioterapia Neuro-Funcional
Lição de vida
Há cinco anos, a psicóloga Giovanna Sarti Cini, de 33 anos, sofreu um grave acidente automobilístico que a deixou sem nenhum movimento de cabeça, tronco e membros, apresentando um quadro neurológico grave, que incluía uma paralisia facial e afasia (dificuldade de falar). Ao sair do hospital, dependia integralmente de outras pessoas para sobreviver. "Sabia que a partir daquele dia eu teria que lutar muito para me recuperar, tanto que sai do hospital e no mesmo dia comecei a fazer fisioterapia", lembra a psicóloga.
O primeiro enfoque do tratamento de Giovanna visou orientações de posicionamento e cuidados gerais nas atividades do dia-a-dia. "Um trabalho de recuperação dos movimentos da face devido à paralisia facial e o início dos exercícios funcionais para um reaprendizado motor", explica a fisioterapeuta Suely Akamine. Sua reabilitação foi planejada passo a passo, focada no conceito Bobath, que é baseado nos estágios de desenvolvimento neuro-motor normal. O resultado desse trabalho foi a evolução de um quadro grave (tetraplegia) para uma paralisia parcial. Hoje, a psicóloga já é suficientemente independente, anda, se movimenta, faz a maioria das atividades diárias sozinha, além de falar normalmente.
A fisioterapia, com exercícios orientados para serem feitos casa, foi praticada todos os dias ininterruptamente, inclusive sábados e domingos, para reabilitar a função motora. "O apoio da fonoaudiologia, da psicoterapia e da minha família, além da minha fé em Deus, foram cruciais para minha reabilitação", considera Giovanna. Cursando pós-graduação em Psicologia, a psicóloga trabalha como voluntária na APR (Associação Paranaense de Reabilitação), voltou a praticar natação e se prepara para tirar carteira de habilitação. Giovanna se considera uma vitoriosa e tem por meta servir de exemplo para a recuperação de outros pacientes na mesma situação. "Ao conhecer a minha história, outras pessoas reconhecerão que também podem se recuperar", realça.
Disciplina e força de vontade
A aposentada do serviço público federal Anna Maria Romão sofreu, aos 69 anos, um acidente vascular cerebral (AVC) do tipo isquêmico. Como seqüela, ficou com paralisia da metade do corpo à direita. Quando saiu do hospital, cerca de um mês depois, sua condição de saúde era tão grave que chegou a ser desenganada pelos médicos. Anna Maria não falava, não se movimentava e ainda teve que passar por dois procedimentos cirúrgicos: um para corrigir uma hidroencefalia e uma traqueostomia. "Durante cinco meses, permaneci lúcida, mas não podia me comunicar e dependia totalmente de outras pessoas", conta a aposentada.
"Anna Maria iniciou a fisioterapia sem controle de tronco e apresentando uma afasia grave (dificuldade de falar)", acentua Alexander Vistuba, seu fisioterapeuta há três anos. Hoje, graças à disciplina, força de vontade, o apoio do marido e de uma amiga próxima, aliados ao trabalho multidisciplinar da fisioterapia direcionada à neurologia, a paciente voltou a andar com ajuda de bengala, consegue realizar algumas atividades do dia-a-dia e voltou a falar. "Hoje, faço fisioterapia três vezes por semana, além de terapia ocupacional e me sinto recuperada e feliz", comemora após sete anos do AVC.