Mudança de paradigma na fisioterapia para a doença de Parkinson
Os sinais neurológicos, as diversas desordens de movimento e os problemas ao nível motor, traduzem-se nestes pacientes em dificuldades progressivas do seu desempenho funcional, ao nível das actividades da vida diária (AVD's), transferências, equilíbrio e marcha (Morris, 2000), podendo resultar numa diminuição da sua funcionalidade, mas também na sua participação social e qualidade de vida (Schrag, Jahanshahi, Quinn, 2000; Riazzi, Hobart, Lamping, Fitzpatrick, Freeman, Jenkinson e Peto, 2003).
Os benefícios da fisioterapia e de formas gerais de exercício em doentes de Parkinson têm sido reconhecido ao longo de vários anos (De Goed, et al., 2001; Formisano et al., 1992).
A fisioterapia surge para complementar o tratamento medicamentoso, uma vez que as disfunções do movimento estão no centro da patologia de Parkinson. De facto, problemas como a marcha, postura, equilíbrio e transferências tendem a não responder tão bem à medicação como a acinésia, o tremor e a rigidez. Para além disso, com a progressão da doença, os efeitos da medicação tornam-se cada vez menos satisfatórios (Graziano, 2004). Deste modo, a fisioterapia vai permitir o desaceleramento do ritmo de progressão da doença e a conservação da autonomia do utente durante mais tempo, de modo a que ele possa disfrutar de uma melhor qualidade de vida.
Contudo, a abordagem tradicional da fisioterapia para o doente de Parkinson tem vindo a centrar-se no treino de estratégias compensatórias para dar resposta às deficiências que ocorrem nos gânglios da base, no cérebro (por exemplo: ensino de balanceamento dos membros superiores, dar passos largos, pontapé na bengala, etc.) (Morris, 2000). Consequentemente, o esforço físico exigido nos tratamentos tem variado entre baixo a moderado. O objectivo da fisioterapia, em geral, tem sido maximizar e conservar as capacidades funcionais do doente, evitando ou reduzindo o aparecimento de complicações secundárias.
Esta abordagem da fisioterapia parte do pressuposto que no caso de um processo neurodegenerativo, tal como ocorre na doença de Parkinson, não existe potencial para uma recuperação neurológica (Fisher, 2005). Este pressuposto tem sido posto em causa com base nos últimos estudos realizados em animais com a doença de Parkinson, onde se verificou uma recuperação funcional e neurológica com um programa intensivo de reabilitação (Fisher; Petzinger, et al, 2004).
Um dos avanços mais significativos na neurologia nos últimos 15 anos tem sido o reconhecimento de uma maior capacidade de recuperação do cérebro após lesão, ao invés do que se pensava anteriormente. Actualmente é reconhecido que o cérebro tem a capacidade de se reorganizar (neuroplasticidade) após uma lesão ou doença, e que este fenómeno pode ser facilitado por meio de um complexo e intenso treino de capacidades físicas (Fisher, 2005). Hirsch et al (2003) demonstrou que a força muscular e o equilíbrio podem ser melhorados em doentes de Parkinson com um treino intensivo de resistência e equilíbrio, durante dez semanas (três vezes por semana).
Apesar de os objectivos da fisioterapia continuarem a incluir o alivio de sintomas, melhoria da função, o aumento da força, a tolerância ao esforço e o equilíbrio, existe agora um interesse crescente em determinar e compreender os efeitos do exercício/treino sobre a neuroplasticidade, afim de serem definidas novas modalidades terapêuticas não farmacológicas que possam promover a recuperação e atrasar ou reverter a progressão da doença de Parkinson.
Serviços de Fisioterapia Especializados na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson
De fato, indivíduos com uma doença crónica complexa tal como é a doença de Parkinson necessitam de uma equipa preparada para melhor servir os utentes e familiares num mundo em rápida mudança. Estes indivíduos necessitam de um sistema de cuidados de saúde que seja eficiente, eficaz, atempado e seguro.
A fisioterapia especializada deve ser um tratamento que segue um modelo biopsicosocial que envolve os doentes e seus familiares levando em conta as alterações físicas e cognitivas dos doentes, o ambiente em que vivem e dinâmica familiar. Na sede da APDPk encontra-se em funcionamento desde Janeiro de 2005, um Serviço de Fisioterapia que visa prestar cuidados de reabilitação específicos e especializados aos portadores da doença de Parkinson.
Este serviço tem como objectivo final maximizar e conservar as capacidades funcionais do doente de Parkinson, ao longo dos vários ciclos de sua vida, evitando ou reduzindo o aparecimento de complicações secundárias, através de um processo permanente de reabilitação do movimento e numa perspectiva de considerar o indivíduo como um todo.
A concretização deste objectivo pressupõe uma avaliação funcional com consequente elaboração de um plano de tratamento de acordo com as necessidades de cada doente, o mesmo será dizer que o tratamento a instituir será sempre personalizado. Dependente do estadio da doença, o tratamento pode ser realizado em grupo, individualmente no ginásio ou no domicílio.
Nas aulas de grupo, o tratamento destina-se a doentes com alterações ligeiras da funcionalidade e com quadros funcionais semelhantes, utilizando exercícios de estimulação sensorial, coordenação, mobilidade, equilíbrio, fortalecimento, exercícios respiratórios e treino de tolerância ao esforço, em sessões com aproximadamente 50 minutos de duração.
No tratamento individual no ginásio são utilizadas técnicas específicas, tais como: técnicas de facilitação, reeducação proproceptiva, transferências de peso, mobilizações passivas e/ou activas, massagem profunda, alongamentos e fortalecimento, treino de equilíbrio nas posições de: gatas, joelhos, sentado e de pé, treino de marcha, coordenação e tolerância ao esforço.
Durante o tratamento, o doente é informado sobre a doença e suas repercussões funcionais, assim como sobre ajudas técnicas que, eventualmente, possa necessitar. As sessões têm uma duração média de 50/60 minutos, segundo a tolerância do doente.
Tratamento no domicílio
O tratamento no domicílio destina-se exclusivamente a doentes no último estadio da doença ou que por algum motivo pontual não podem deslocar-se à APDPk. No domicílio, é feito um trabalho individualizado, tendo em vista dar ao doente competências que lhe permitam ter uma vida autónoma dentro de casa, facilitando a sua participação activa e ajudando a adquirir a máxima funcionalidade em todos os aspectos, bem como o ensino à família (mudanças de decúbito, transferências, estratégias de prevenção de quedas, etc.).
Defende-se uma avaliação continua do funcionamento dos serviços de fisioterapia na APDPk, a fim de se avaliar a prática implementada e, consequentemente, possibilitar a implementação de cuidados de saúde de qualidade, um exercício profissional responsável, honesto e competente.
Focando-nos na qualidade de saúde produzida, ou conseguida com os tratamentos de fisioterapia na APDPk, existem ganhos em saúde concretos e mensuráveis. Estes ganhos passam não só por uma observação da redução dos problemas de saúde (nomeadamente de quedas, lesões músculo-esqueléticas, entre outras), mas também o explicito reconhecimento de problemas de saúde, até agora não devidamente contemplados (as questões da dor, incontinência urinária, entre outras). Podemos ainda contar com um espaço para ganhos, no que se refere, por exemplo, à promoção de saúde e criação de Serviços de Fisioterapia nas várias Delegações da APDPk.
O grau de satisfação dos utentes a usufrir dos serviços prestados no âmbito da fisioterapia também é frequantemente avaliada, verificando-se que cerca de 98% se encontram satisfeitos ou muito satisfeitos com a participação em classes, tratamentos individuais e o apoio domiciliário.
Os resultados positivos conseguidos nas diversas áreas comprovam a efectividade do projecto. Por isso, parece indispensável a sua manutenção e reforço este projecto para que, nesta área, a APDPk possa ocupar um dos lugares cimeiros na neuroreabilitação.
É de salientar que este serviço tem como protagonista principal e central o doente/família, e que este deve ter um papel activo e participativo em todo o processo de reabilitação. De facto, seria desejável que, neste Serviço de fisioterapia, os doentes fossem pessoas activas, criticando directamente quando acham que o devem fazer e oferecer a sua ajuda quando acham que podem ajudar.
Portugal não dispunha até há pouco tmepo de serviços de reabilitação vocacionados exclusivamente para a doença de Parkinson e a APDPK permite agora apostar nesta área e especializar este pequeno serviço, tornando-o um modelo de excelência. Não foi projectado para menos do que isso e procuramos que cresça, progrida e se aperfeiçoe ao longo do tempo.
Importa ainda agradecer a todos os doentes que fazem parte do programa pela confiança depositada mas, acima de tudo, pelo empenho e dedicação incansáveis, visíveis em cada sessão.
Por fim, "FAÇAM O FAVOR DE SE MEXEREM E NÃO SE ESQUEÇAM: TER A DOENÇA DE PARKINSON NÃO SIGNIFICA QUE DEVEM DEIXAR DE VIVER. SER ACTIVO É UMA COMPONENTE CHAVE DA REABILITAÇÃO".