Treino sensório-motor na Fisioterapia Preventiva no Esporte
Com este artigo pretendo introduzir algumas bases da fisiologia do sistema sensório-motor e mostrar o quanto este pode ser importante na prevenção de lesões músculo-esqueléticas.
Em 1997, os participantes do congresso Foundation of Sports Medicine Education and Research adotaram o termo "sistema sensório-motor" para descrever as integrações centrais, sensoriais e motoras e as estruturas envolvidas na manutenção da integridade das articulações durante os movimentos corporais e nas manutenções de postura. Com o passar do tempo alguns termos passaram a ser utilizados (erroneamente) por profissionais da saúde, do esporte e até mesmo por alguns atletas para designar o tal "sistema sensório-motor". Podemos citar entre estes termos: "propriocepção", "controle neuromuscular", etc. Na realidade, propriocepcão e controle neuromuscular são partes do todo que é o sistema sensório-motor. Ainda neste artigo vamos tentar explicar o que cada um destes termos significa.
Há alguns anos, o conceito de que bastava ter um músculo bem alongado e forte era o suficiente para prevenir lesões, vem sendo substituído por uma idéia diferente que defende a prevenção de lesões baseada na melhora funcional das articulações e dos músculos não isoladamente, mas em conjunto. Isto ocorre como conseqüência da melhora dos mecanismos de controle neuromuscular.
O controle neuromuscular, por sua vez, pode ser definido como o controle da ativação inconsciente de estabilizadores dinâmicos (músculos) ocorrendo em preparação ou resposta a uma carga ou movimento impostos a uma articulação com o objetivo de restaurar ou manter a estabilidade articular normal. Podemos utilizar o seguinte exemplo: durante uma entorse em inversão de tornozelo, espera-se que os músculos fibulares atuem impedindo que ocorra uma lesão ligamentar lateral do tornozelo.
Didaticamente os componentes responsáveis pela estabilidade articular são divididos em dois grupos: estáticos e dinâmicos. Ligamentos, cápsula articular, cartilagem, fi br ocartilagem e geometria óssea de uma articulação seriam exemplos de componentes estáticos (passivos). A contribuição dinâmica seria composta pelos músculos por meio dos mecanismos de feedback e feedforward.
O controle neuromuscular depende da integração adequada dos inputs sensitivos (visuais, vestibulares e somatosensoriais), e das eferências motoras. Ou seja, é preciso que haja integração entre as informações que a articulação manda para os níveis mais centrais do nosso sistema nervoso (medula espinhal, tronco cere br al e córtex) e os comandos que estes níveis mandam para os músculos na tentativa de manter a articulação estável. A informação so br e o estado das estruturas articulares é denominada de propriocepção.
O termo propriocepção foi cunhado por Sherrington em 1906 e vem do latim recepção e própria. A propriocepção pode ser dividida em cinestesia (percepção do movimento) e senso de posição articular.
Os responsáveis pela captação e transmissão da informação proprioceptiva são os mecanoreceptores que podem ser encontrados na cápsula articular, retináculo, ligamentos, pele, músculos e tendões. Dentre eles podemos citar: corpúsculos de Pacini, órgãos tendinosos de Golgi, fusos musculares, terminações nervosas de Rufini e terminações nervosas livres.
As informações derivadas dos mecanoreceptores são processadas em três níveis: em nível espinhal (responsável pela estabilização dinâmica da musculatura); nível cerebelar (responsável pelo equilí br io e postura) e nível cortical (responsável pela contração voluntária). Qualquer déficit na chegada (aferência), processamento ou comando (eferência) pode resultar em posturas inadequadas ou desequilí br ios, podendo ser fatores causais de lesões.
Para melhorar a propriocepcão por meio do controle neuromuscular, o programa de exercícios deve atingir os três níveis de processamento no sistema nervoso central. Reflexos espinhais podem ser ativados como resposta a mudanças br uscas na posição articular. Exercícios posturais podem melhorar a função motora em nível do tronco cere br al. Padrões motores repetidos são úteis em melhorar o controle neuromuscular e o mecanismo de feedforward. O feedforward se refere à teoria de que movimentos rápidos podem ser controlados por eventos previamente encontrados no sistema neuromuscular preparando o movimento .
A repetição de tarefas permite ao córtex cere br al determinar o padrão mais efetivo para a tarefa e diminuir o tempo de reação. O tempo de reação indica que a atividade motora não pode ser tomada somente em resposta ao estimulo ambiental para prevenir lesão. A programação motora, um estoque de comandos musculares que permite a iniciação da atividade, deve ocorrer. No enfoque da prevenção de lesões, isto é muito importante, pois a ausência de um padrão de movimento efetivo pode ser determinante no surgimento de lesões. Um atleta que realiza um gesto esportivo com um padrão equivocado ou menos econômico está com certeza mais suscetível ao aparecimento de lesões (por so br ecarga ou não) que um atleta com um padrão de movimento correto e econômico.
Inicialmente os exercícios proprioceptivos ou de controle neuromuscular foram introduzidos nos programas de reabilitação de lesões, por exemplo nas lesões ligamentares, pelo fato dos ligamentos serem sede de mecanoreceptores, o que sugere que, uma lesão nessas estruturas poderia acarretar um déficit proprioceptivo. Com o passar do tempo tais exercícios foram introduzidos no treinamento dos atletas com o intuito de prevenir lesões.
Vários estudos na literatura especializada mostram que o treinamento sensório-motor tem um efeito positivo na prevenção de lesões do tornozelo em diversos esportes. Esta melhora pode ocorrer por conta de dois fatores. Primeiro, com o treinamento sensório-motor há uma melhora no equilí br io postural do atleta. Segundo, há uma melhora dos mecanismos reflexos dos músculos que cruzam as articulações, e este parece ser o principal fator na prevenção de lesões.
O programa de treinamento sensório-motor visando à prevenção de lesões articulares deve ser realizado de forma especifica para o esporte em questão, pois cada esporte possui características próprias e as lesões que acometem mais os atletas variam entre os esportes, homens e mulheres, faixas etárias e até mesmo entre cada posição no mesmo esporte.
O programa deve, ainda, ser realizado de forma progressiva (assim como qualquer outro tipo de treinamento) e deve focalizar alguns aspectos, como: flexibilidade, agilidade, força, treino de gesto esportivo e pliometria. A literatura mostra que os exercícios devem ser realizados no começo da temporada com maior freqüência, mas durante o ano todo devem ser realizados pelo uma vez por semana.
Alongamento e fortalecimento devem ser realizados de maneira progressiva e respeitando as necessidades e os limites do atleta.
Exercícios de agilidade devem ser feitos principalmente por atletas que realizam mudanças br uscas de direção (basquete, handebol, tênis, etc), e, de preferência de uma forma que possa simular o gesto esportivo do atleta. Este tipo de exercício é utilizado para permitir que o atleta se adapte as mudanças rápidas de direção, aceleração e desaceleração. Estes tipos de movimentos costumam ser causadores de lesões articulares e musculares nos atletas. Para a execução do exercício podem ser utilizados cones, marcadores no solo, etc. À medida que o atleta começa a executar os exercícios de forma mais adequada, as habilidades necessárias para o esporte podem ser incluídas no exercício.
Exercícios de equilí br io podem ser realizados em todos os atletas e consistem em fazer com o atleta realize alguma tarefa mantendo o equilí br io sem alterar a base de suporte. Podem ser executados exercícios de equilíbrio em apoio unipodal ou bipodal, com ou sem o auxilio da visão, no solo estável ou instável e com a utilização de gesto esportivo.
Alguns exercícios podem ser realizados com aparelhos específicos e de alto custo como no caso dos isocinéticos, em que um dos mem br os do atleta é posicionado em um determinado ângulo e então se pede a ele que posicione o membro contralateral na mesma angulação sem auxilio da visão. A melhora na cinestesia também pode ser feita iniciando o movimento no membro do atleta partindo de varias posições. Isso pode ser feito também manualmente, sem o auxilio de equipamentos especializados.
Exercícios pilométricos também podem ser realizados para a melhora do controle neuromuscular podendo desta forma prevenir a incidência de lesões. Estes exercícios, em que uma pré-carga excêntrica é seguida por uma vigorosa contração concêntrica também têm sido investigados para prevenção de lesões. Supõe-se que a pliometria melhora a estabilização articular e potencializa a contração muscular. Este é um importante exemplo de exercício que estimula o controle neuromuscular nos níveis espinhais e de tronco cere br ais e pode ser utilizado em MMII e MMSS e nos programas de reabilitação, recomendo a leitura dos artigos de João Coutinho e John Cissik neste site para o melhor entendimento da aplicação da pliometria.
As fases finais de qualquer programa de reabilitação, prevenção ou condicionamento devem incluir atividades que imitam aquelas vivenciadas pelos atletas no esporte. Este tipo de especificidade melhora mecanismos de feedforward e funções motoras conscientes ou inconscientes.
Recebi esse texto por email e não conheço o autor, infelizmente!