Exame Físico em Escoliose
O paciente deve ser examinado usando suas próprias roupas e, a seguir, apenas com vestes especiais de exame. Realiza-se a inspeção com o paciente sentado, em ortostase, e deambulando. Observa-se o comprimento aparente das mangas do vestuário nos membros superiores e inferiores. Diferenças nesse comprimento podem sugerir desalinhamento do eixo vertebral.
Na pele, pesquisa-se a existência de manchas de coloração café-com-leite, nódulos subcutâneos e concentrações localizadas de pêlos no dorso. Nódulos subcutâneos de consistência amolecida são comuns na escoliose por neurofibromatose. A presença de tufos pilosos sobre a área de pele relacionada à coluna vertebral é sugestiva de disrafismo medular (grupo de anomalias congênitas da medula) que pode existir na escoliose congênita.
Fácies sindrômica pode sugerir uma doença relacionada à escoliose, como, por exemplo, a síndrome de Marfan (dolicocefalia, prognatismo e face alongada) ou a síndrome
de Larsen (hipertelorismo, dorso nasal achatado e fronte proeminente). A estatura e a proporção dos membros em relação ao tronco devem ser registradas. Por exemplo, na escoliose da síndrome de Marfan, em geral, o paciente é alto e os membros são proporcionalmente mais longos que o tronco. No nanismo acondroplásico observa-se o oposto, os membros são curtos e proporcionalmente menores em relação ao tronco.
Dependendo dos achados da avaliação geral, o exame deve buscar elementos que contribuem para o diagnóstico de uma possível causa. Elevação do arqueamento do palato duro e sopros cardíacos, por exemplo, são achados característicos na síndrome de Marfan; deformidade das orelhas, nasmalformações congênitas; e pescoço curto, nas síndromes de Turner e de Klippel-Feil.
A observação do dorso com o paciente na posição ortostática pode revelar sinais associados à escoliose. As assimetrias do nível da altura dos ombros, dos contornos escapulares e das distâncias dos membros superiores em relação ao tronco são manifestações freqüentes da escoliose. O dorso deve ser também observado com o paciente sentado. Se as assimetrias notadas com o paciente em ortostase desaparecem nessa posição, há possibilidade de o desvio vertebral ser secundário a discrepância no comprimento dos membros inferiores. Esse desvio é freqüentemente chamado de escoliose compensatória a discrepância dos membros inferiores.
Algumas manobras semiológicas especiais são úteis no exame físico do paciente com escoliose:
- O teste de Adams é a manobra semiológica mais utilizada e confiável para triagem de grupos populacionais com maior risco para o problema. O teste consiste na pesquisa de assimetrias no dorso durante a flexão da coluna vertebral. Com a coluna flexionada, os lados direito e esquerdo da caixa torácica e da musculatura paravertebral são observados. Se há desvio lateral e rotacional da coluna, um lado aparecerá mais alto que outro. A presença de elevação assimétrica anormal no dorso caracteriza o teste positivo. A ausência de assimetria ou presença de assimetria mínima caracteriza o teste negativo. Entretanto, deve ser enfatizado que o resultado positivo não significa necessariamente a presença de escoliose. Para confirmação, é necessário o exame complementar radiológico.
- O teste do fio de prumo auxilia no diagnóstico da escoliose descompensada. O teste é realizado utilizando uma linha com um peso de chumbo preso a uma das extremidades com o paciente na posição ortostática. Procede-se à fixação da extremidade do fio sem o chumbo sobre a proeminência do sétimo processo espinhoso cervical e observa-se
a extremidade com o chumbo cair livremente pela ação da gravidade. Se o trajeto da linha cruzar o centro da pelve, o teste será negativo, podendo significar ausência de escoliose ou presença de escoliose compensada. Se o trajeto da linha for lateral ao centro da pelve, o teste será positivo, a priori, para escoliose descompensada.
A amplitude dos movimentos da coluna vertebral deve ser avaliada pela flexão, extensão, rotações e inclinações laterais. As inclinações laterais auxiliam o examinador a perceber a rigidez da curva pela resistência oferecida durante o exame de mobilidade passiva forçada da deformidade.
As alterações ortopédicas dos membros inferiores devem ser avaliadas no estudo clínico da escoliose. Pés cavos, pés de tamanhos diferentes e dedos em garras podem ser sugestivos de disrafismo medular, freqüente na escoliose congênita. Deformidades dos quadris, joelhos e pés são comuns na escoliose paralítica.
A diferença no comprimento dos membros inferiores pode ser causa ou conseqüência de um desvio na coluna. Um membro realmente mais curto, a chamada discrepância real, ocasiona na posição ortostática uma obliqüidade da pelve (infradesnivelamento unilateral da pelve do lado do membro mais curto) que pode gerar uma curva compensatória da coluna para manter a cabeça alinhada ao eixo gravitacional. Ao contrário, uma curva rígida envolvendo o segmento lombossacro pode também inclinar a pelve, produzindo uma discrepância aparente irreal dos membros. Para determinar se a discrepância é real ou aparente, os membros devem ser medidos a partir da cicatriz umbilical e a partir das espinhas ilíacas ântero-superiores, superiormente, até um ponto fixo inferiormente (maléolo medial ou planta dos pés), com auxílio de uma fita métrica. Se houver diferença de comprimento dos membros inferiores nas medidas a partir das espinhas ilíacas ântero-superiores, há discrepância real. Mas se a diferença somente for observada nas medidas a partir da cicatriz umbilical, a discrepância é aparente e provavelmente se deve à obliqüidade pélvica. Entretanto, em situações raras os dois tipos podem coexistir.
O exame neurológico complementa o exame do paciente com escoliose. Devem ser pesquisadas alterações na sensibilidade, nos reflexos, no tônus e na força muscular. Lesões
intracanais que às vezes acompanham a escoliose, tais como siringomielia, diastematomielia e tumor medular, podem apresentar sinais de lesão do neurônio motor superior (hipertonia, hiperreflexia) ou inferior (hipotonia, hiporreflexia). O reflexo cutâneo abdominal assimétrico é a anormalidade neurológica mais comum associada à lesão intracanal na escoliose. O reflexo é pesquisado pelo estímulo dos quadrantes do abdômen com um instrumento pontiagudo não-cortante. A resposta normal é a contração abdominal com desvio da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Outros sinais da lesão do neurônio motor superior que devem ser pesquisados na escoliose são o sinal de Babinsky e o clônus. O sinal de Babinsky é pesquisado pela estimulação da planta dos pés com um instrumento agudo não-cortante percorrendo a borda lateral da planta do pé desde o calcâneo. O sinal caracteriza-se pela extensão do hálux e abdução dos quatro dedos laterais dos pés. O clônus é uma oscilação repetitiva e rítmica do pé e do tornozelo em resposta a uma súbita dorsiflexão passiva do pé.
Se a avaliação neurológica revela alguma anormalidade, especialmente na curva torácica esquerda ou de rápida progressão, exames adicionais complementares, como a
ressonância magnética ou a mielotomografia, são aconselhados.